sábado, setembro 23, 2017

OPINIÃO: Desatino militar

Folha de S.Paulo - EDITORIAL

Fosse o Brasil uma democracia mais antiga, o comentário do general Antonio Hamilton Mourão sobre uma possível intervenção militar para resolver a crise política seria reduzido ao que é: um desatino de quem aprendeu a enxergar o mundo pelas lentes da caserna.
Como se diz, para quem só sabe usar um martelo, todos os problemas se parecem com um prego.
A democracia brasileira, contudo, ainda engatinha. Quase 30 anos depois de promulgada a Constituição Federal, ainda estão distantes os objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades; promover o bem de todos, sem discriminação.
As instituições, cuja estabilidade não deixa de ser apreciável, amargam todavia desgaste crescente. Executivo, Legislativo e Judiciário afogam-se em escândalos de corrupção e refregas incompatíveis com Poderes de Estado.
O golpe de 1964 e a ditadura militar ainda encontram simpatizantes entre setores minoritários, mas estridentes da sociedade; parte da população considera que a estabilidade democrática ainda não é um fato, mas um processo em curso.
Por tudo isso, o general Mourão jamais deveria ter dito o que disse. Logo ele, que em 2015, após fazer declarações políticas, perdeu o comando da região Sul e foi transferido para a secretaria de Finanças do Exército, uma função burocrática.
Ainda que a cúpula militar tenha dado ampla mostra de que compreende seu papel constitucional, e ainda que o general tenha falado num encontro fechado, as opiniões suscitaram forte e merecida reação da sociedade civil.
Diante dessa situação, a cúpula do Exército tinha duas opções. A primeira envolveria punir um oficial que se excedeu em sua retórica. Ao que tudo indica, considerou-se, talvez com razão, que essa saída forjaria um mártir —algo de que o país não precisa.
O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, escolheu o caminho diplomático. Resolveu o caso com conversas internas e uma nota pública, na qual reiterou seu compromisso com a consolidação da democracia e afirmou que somente ele fala em nome da instituição.

O episódio terminou como começou: sem maior importância. Num contexto em que as Forças Armadas têm sido chamadas a agir na segurança pública, a polêmica ao menos serviu para mostrar que a sociedade se mantém vigilante e, nos termos da Constituição, não tolerará ação militar que não esteja subordinada aos poderes civis. 

Postar um comentário

Blog do Paixão

Whatsapp Button works on Mobile Device only

Start typing and press Enter to search